Gazeta do Nordeste

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EM DEFESA DA COECV

Por Jonata Galvão, Coordenador da Comissão Estadual de Prevenção à Violência no Campo e na Cidade – COECV.

A Ação Declaratória de Inconstitucionalidade movida pela OAB Seccional Maranhão para impugnar a Lei Estadual nº 10.246/2015, que criou a COECV, é um grave ataque aos avanços do Estado para garantia dos direitos humanos. Lamentavelmente, em nome da Ordem dos Advogados do Brasil, que também merece respeito e incondicional defesa, a atual gestão, presidida pelo advogado Thiago Diaz, decidiu avançar contra a mais exitosa experiência de prevenção e mediação de conflitos fundiários já praticada no Estado do Maranhão.

As dezenas de manifestações de apoio à COECV que passaram a ser publicadas após a notícia do ajuizamento da referida ação são provas do quanto a Comissão se consolidou atuando na construção de soluções possíveis para conflitos. Todos os aproximados 700 casos em que atuamos de 2015 até hoje contaram com diligências precisas para diálogo entre as partes, combate à grilagem de terras, articulação para proteção de pessoas ameaçadas de morte, articulação para investigação e operações contra crimes ambientais, desarticulação de grupos especializados em invasão de imóveis para fins de especulação imobiliária, além de estreitar o relacionamento com a Sociedade Civil organizada e abrir canal de diálogo direto com os povos e comunidades tradicionais ameaçados de despejo no Estado.

O ponto central questionado pelos peticionários é uma suposta violação ao artigo 6º da Constituição Estadual (que trata da independência e harmonia entre os poderes Legislativo, Executivo e Judiciário) sob o argumento de que as ações de prevenção e mediação de conflito obstam o cumprimento de decisões judiciais ações possessórias (processos que discutem o direito de posse de um imóvel).

O argumento demonstra um notório e, no mínimo, constrangedor desconhecimento acerca da Comissão que se pretende acabar. A COECV, que no ano de sua criação já contava com demanda de análise e mediação de quase 300 casos de decisões judiciais não cumpridas – casos anteriores à própria existência da Comissão – conseguiu reduzir em 56% tal pendência, restando em análise 130 casos referentes a processos que envolvem comunidades já consolidadas.

Como se vê, o trabalho da Comissão viabiliza a maior celeridade e eficiência no cumprimento das decisões judiciais, em plena harmonia com o Judiciário. Inclusive, o TJMA reconhece os trabalhos da Comissão de forma institucional, por meio do Provimento n.º 08/2019 da Corregedoria-Geral de Justiça. Segundo este provimento, os procedimentos de mediação dos conflitos fundiários no Maranhão devem ser feitos em parceria com a COECV. O provimento também determina a participação de representante do Núcleo de Regularização Fundiária do Estado nas reuniões da COECV como membro permanente, o que demonstra o claro interesse público do Judiciário na existência e nas ações de mediação e prevenção de conflito praticadas pela COECV.

Com a criação de critérios objetivos, o uso da força policial para auxiliar no cumprimento de decisões judiciais em ações possessórias passou a seguir um procedimento que dá maior segurança às partes envolvidas no processo – inclusive reduzindo drasticamente a possibilidade de ocorrência de graves violações de direitos humanos, o que passou a ser exceção no Estado do Maranhão. Com isso, a COECV já é nacionalmente conhecida como boa-prática e vem sendo copiada em outros Estados.

Causa espanto que a OAB/MA tenha decidido requerer a suspensão dos trabalhos da Comissão em medida liminar, alegando “perigo da demora”. A COECV já existe há 6 anos e jamais foi questionada juridicamente em nenhum dos cerca de 700 processos que acompanha. Então, vale a pena questionar: “perigo da demora” para quem? Quais os reais interesses da atual gestão desta valiosa instituição quando propõe, sem qualquer diálogo prévio, o fim a uma Comissão nacionalmente respeitada e que atua em parceria com a própria Corregedoria-Geral do TJMA?

A nosso ver, a tentativa de extinguir a Comissão compõe o mesmo cenário de desarticulação das políticas nacionais de habitação e regularização fundiária. Chega a ser uma irresponsabilidade contra os povos e comunidades tradicionais deste Estado, muitos deles ameaçados de despejos por ações judiciais e até mesmo por milícias privadas. Além disso, o incentivo ao uso e circulação de armas de fogo, dentro deste contexto de negação de direitos, só pode resultar no incremento da violência contra as ocupações no campo e nas cidades.

A propósito, seguindo as diretrizes legais que fundam o OAB – incluindo a defesa da Constituição, da ordem jurídica do Estado democrático de direito, dos direitos humanos e da justiça social (art. 44, I, do Estatuto da Advocacia) – não seria dever da Ordem dos Advogados do Brasil também defender e auxiliar na mediação e prevenção de conflitos realizadas pela COECV? Não seria obrigação da OAB se insurgir contra a ausência das políticas habitacionais e de regularização fundiária? Poderia ficar silente diante do grave cenário de violência contra ocupações tradicionais e as reiteradas tentativas para utilização e circulação de armas de fogo?

Estes questionamentos são razoáveis, a medida em que a extinção da Comissão resultará na imediata vulnerabilização de milhares de famílias que hoje estão em diálogo com a COECV para construção de soluções pacíficas para conflitos.

Espera-se que o Judiciário Estadual reconheça e ratifique os trabalhos prestados pela COECV, negando provimento à Ação Declaratória de Inconstitucionalidade, para manter os procedimentos de mediação e prevenção de conflitos que hoje são essenciais na garantia dos direitos fundamentais dos povos e comunidades tradicionais ameaçados de despejos.

São Luís, 17 de fevereiro de 2021.

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