Ação civil pede suspensão e nulidade de portaria sobre munições editada por Bolsonaro
Na reunião ministerial de 22 de abril, o presidente da República disse que a alteração era um recado para as autoridades que defendem o isolamento social durante a pandemia
A ação civil pública, movida pelo professor e secretário de Estado dos Direitos Humanos e de Participação Popular do Maranhão, Francisco Gonçalves, junto à Justiça Federal da 1ª Região, pede a imediata suspensão e posterior nulidade da Portaria Interministerial que aumenta o limite de compra de munições, além da condenação dos réus que a assinaram, dentre eles o próprio presidente da República Jair Bolsonaro.
Em meio à pandemia do novo Coronavírus, nem máscara, nem emprego, o recado dado pelo presidente da República, na reunião ministerial de 22 de abril, foi claro: “peço ao Fernando e ao Moro que, por favor, assinem essa portaria hoje que eu quero dar um puta de um recado pra esses bostas”. O último termo fez referência aos prefeitos e governadores que decretaram o isolamento social como medida sanitária e de segurança, em face da proliferação do vírus.
Por outro lado, a portaria citada é a Portaria Interministerial n. 1.634/GM-MD, que trata da ampliação do acesso a munição, que veio a ser assinada naquele dia e foi publicada na edição do Diário Oficial da União do dia 23 de abril de 2020, prevendo que cidadãos, antes autorizados a adquirir até 200 unidades de munição por arma registrada ao ano, passaram a poder adquirir até 300 unidades por mês. Tudo isso em meio a uma pandemia.
Segundo a ação, houve por parte do presidente da República Jair Bolsonaro, desvio de finalidade, caracterizado pela fala na reunião que pretendia armar a população e, no limite, fomentar a desobediência civil e o desrespeito às instituições e às autoridades constituídas.
Além do aumento significativo e injustificável do quantitativo de munições, “um verdadeiro absurdo, considerando os tempos pandêmicos que vivemos”, segundo Francisco Gonçalves, a Portaria Interministerial vem repleta de vícios, pois ela tem como base manifestação “técnica” assinada por autoridade que já havia sido exonerada e, portanto, já não possuía qualquer vínculo com a Administração Pública.
Trata-se do General de Brigada Eugênio Pacelli Vieira Mota, exonerado em 25 de março, e passado para a reserva em ato publicado no DOU do dia 26, com efeitos a partir de 31/03/2020. O militar, porém, se utilizou de um e-mail pessoal no dia 15 de abril, para se “desculpar”, segundo ele, pela falta de oportunidade e dizer que “após análise, não observamos qualquer impedimento à publicação. Pequenas demandas/ajustes serão necessários”, se referindo à portaria em questão. Uma mensagem de texto (whatsApp) da Chefe da Assessoria Especial de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça e Segurança Pública, com um singelo “ok”, também compõe a ausência de qualquer parecer técnico e motivação que justifique a mudança de uma política de segurança pública.
Ainda de acordo com a petição do professor Francisco Gonçalves, a cada dia que passa, aumentam a quantidade de munições em circulação no país, agravada pelas recentes mudanças na política de controle e rastreamento, que poderão conduzir, de um lado a conflitos e conflagração armada entre pessoas ou entre estas e as autoridades e agentes de segurança; e de outro facilitar o desvio e abastecimento do crime organizado e milícias com um volume cada vez maior de munições desviadas e sem qualquer possibilidade de rastreamento: “No limite, esse volume de munições pode viabilizar a formação de verdadeiros grupos paramilitares que possam vir a atentar – desta vez não apenas com palavras, gritos de ordem e cartazes – contra as instituições democráticas”.
Assim, Gonçalves conclui que em um momento tão delicado, de enfrentamento do maior desafio humano do século XXI, a pandemia da COVID-19, os fatos demonstram que a alteração da portaria consiste apenas no desejo pessoal do presidente da República de armar a população para fins que certamente não coadunam com o respeito ao Estado Democrático de Direito e às instituições e poderes constituídos, sobretudo diante do atual contexto de emergência sanitária e constante acirramento das tensões políticas e sociais no país, que podem resultar em conflagração direta de desobediência civil com trágicas consequências para normalidade democrática.